Bebê Reborn: quando o boneco ocupa o lugar de um filho real
- Rafael Maisonnette de Araujo
- há 5 dias
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Nas últimas semanas, as redes sociais fervilharam com vídeos de pessoas adultas levando seus bebês reborn para hospitais, festas infantis e até para tentar obter atendimento prioritário em serviços públicos. Esses bonecos hiper-realistas, que reproduzem com perfeição a aparência de recém-nascidos, deixaram de ser apenas peças de coleção ou objetos artísticos. Em alguns casos, passaram a ocupar simbolicamente o lugar de um filho. Um filho que não chora, não adoece, não questiona — um filho ideal, imóvel e, sobretudo, controlável.
A reação pública foi, como era de se esperar, de espanto e, muitas vezes, de agressividade. Mas será que zombar ou agredir verbalmente essas pessoas ajuda a compreender o que está por trás desse comportamento? Ou será que isso apenas reforça a negação do sofrimento psíquico envolvido?
Entre o lúdico e o patológico
É importante diferenciar o colecionismo saudável — que pode fazer parte de um hobby adulto — de situações em que o vínculo com o objeto se torna simbólico demais, ocupando o lugar de algo que está ausente ou insuportável. No caso de pais ou mães de bebês reborn, o boneco pode representar o luto por um filho perdido, o desejo não realizado de maternar ou até uma tentativa inconsciente de manter o controle absoluto sobre uma figura infantil.
Para a psicanálise, esse fenômeno pode ser lido como uma forma de lidar com a castração simbólica — conceito fundamental na obra de Freud e Lacan. O bebê idealizado, que nunca cresce, nunca se afasta e nunca se rebela, representa o desejo narcisista de uma completude impossível. Como afirmou Lacan, o filho real é sempre um "outro" — com desejos próprios, com sua falta, com sua alteridade. E é justamente nesse ponto que o bebê reborn se torna inquietante: ele encarna um desejo de negação da realidade, uma tentativa de congelar o tempo e impedir o desenrolar da vida.
Ter um bebê reborn... O lugar do cuidado e não do escárnio
É compreensível que comportamentos assim despertem críticas. De fato, buscar atendimento médico para um boneco ou tentar furar filas usando um objeto inanimado pode ser um sinal de que algo precisa de atenção. Mas rir ou agredir quem demonstra esse tipo de conduta pode afastar justamente quem mais precisa de ajuda.
É preciso cuidado para não reduzir essas manifestações a "loucura" ou "birra de adulto mimado". Por trás desse comportamento, podem existir traumas não elaborados, lutos não reconhecidos, solidões profundas ou transtornos mentais que merecem escuta profissional.
Acolher não é o mesmo que concordar ou incentivar. É, antes de tudo, criar espaço para que o sofrimento seja elaborado. Quando alguém recorre a um boneco para preencher a ausência de um filho — real ou simbólico — algo ali precisa ser escutado com sensibilidade. A intervenção psicológica, nesse contexto, pode ajudar a pessoa a reencontrar o caminho da realidade, da elaboração e da autonomia emocional.
Bebê Reborn: o que leva alguém a buscar afeto em um boneco?
Vivemos tempos em que tudo é exposto e julgado rapidamente. Mas a saúde mental exige tempo, escuta e acolhimento. Ao invés de zombar, talvez devêssemos nos perguntar: o que leva alguém a buscar afeto em um bebê reborn, um boneco? E como podemos, como sociedade, oferecer cuidado em vez de desprezo?
Em casos assim, o papel do psicólogo é justamente esse: abrir um espaço de escuta e reconstrução da subjetividade. Afinal, todos podemos, em algum momento, criar formas de negar a dor — mas é apenas enfrentando essa dor que podemos, de fato, seguir em frente.
Rafael Maisonnette de Araujo
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